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O QUE A CULTURA ESPERA DO NOVO GOVERNO E DOS NOVOS GOVERNANTES

Respeito.

Se for respeito e competência, tanto melhor.

Nenhum Governo está acima ou abaixo da Sociedade. Está ao lado e dentro dela, como parte do tecido social.

Não importa qual seja, que filiação partidária ou cor ideológica tenha, qualquer Governo obriga-se a ser um governo de TODOS, tendo deveres para com a Sociedade que o elegeu e à qual deve servir.  Por isso, nós, o Povo, temos todo o direito de cobrar nossos governantes.

A Cultura sofreu muito nas mãos dos últimos governos, alguns dos quais nos trataram com desrespeito, incompetência, burocracia excessiva e, principalmente, viés controlador e estatizante. Foi o que ocorreu com o Direito Autoral nos últimos tempos.

A Lei 9.610, a Lei de Direito Autoral promulgada em 1998, vigorou até 2013, servindo adequadamente à Cultura e à Sociedade brasileiras. Nos seus primeiros anos, essa LDA sintética, objetiva e inovadora, permitiu que o Brasil ganhasse muitas posições no ranking autoral mundial, tornando-se base para um moderno modelo de gestão, principalmente em termos de arrecadação e distribuição de direitos, a ponto de muitos países do mundo nos terem como referência. Poucos sabem disso, mas é verdade.

Infelizmente, de pouco mais de dez anos a esta parte, nossos governos começaram a ceder às pressões das grandes corporações da indústria cultural, passando a priorizar os interesses destas, em lugar de atender àqueles que deveriam ser (e são!) os verdadeiros protagonistas da ação cultural: os artistas, os criadores, os produtores e suas entidades de classe. Ao longo dos últimos governos, os representantes da mídia, inclusive muitos artistas a ela ligados ou por ela favorecidos, infiltraram-se nos mecanismos do hoje extinto MinC (Ministério da Cultura), para tentar obter mais privilégios para si, em detrimento da classe musical. Sob o enganoso pretexto de “aprimorar” a gestão privada dos Direitos de Autor, esses segmentos juntaram-se a parlamentares deslumbrados e autoridades idem, cuja ignorância sobre a matéria autoral levou à aprovação e promulgação (num prazo recorde de três dias!, no auge dos protestos de julho de 2013) da intrincada e burocrática Lei 12.853, que nada mais fez senão propor um avanço para trás, qual fosse o de recolocar os criadores e suas entidades sob a tutela do poder econômico do mercado, dos usuários e da grande mídia. Tudo com o beneplácito do governo, o que é pior.

Aprovada, a Lei 12.853, que propunha um descarado e inconstitucional intervencionismo estatal nas entidades da classe autoral, inclusive em termos econômicos, foi incorporada à LDA vigente. Esta, que possuia originalmente 115 artigos que ocupavam pouco mais de uma dezena de páginas, após o enxerto patrocinado pelo governo continuou enganosamente com 115 artigos, só que agora disfarçados em artigos de igual numeração (Arts. 98-A, 98-B e 98-C, p. ex.), entremeados ainda a uma confusa infinidade de parágrafos, incisos, itens, sub-itens, etc. que a transformaram num calhamaço inextrincável. Afora isso, a nova lei gerou um Decreto regulamentador (Decreto 8.469/15), outro cartapácio de 37 artigos, tão precário que teve de ser revisto nos dois dias seguintes à sua publicação, além de posteriormente emendado por outro diploma, o Decreto 9.081/17. Como se isso não bastasse, essa regulamentação desdobrou-se ainda em várias Instruções Normativas confusas e prolixas (como a famigerada IN n°3), complicando ainda mais a teia da burocracia estatal em torno do Direito de Autor em nosso país. E a pobre Lei 9.610, que só tinha 115 artigos, tadinha…

Destaque-se que, à medida que essas novas normativas surgiam, os diplomas de menor hierarquia, elaborados por burocratas do terceiro escalão do Executivo, foram extrapolando  acintosamente os direitos já garantidos em Lei, inclusive na Lei Maior, em clara afronta à cidadania. Certamente por isso, o deputado Onyx Lorenzoni, atual Ministro-Chefe da Casa Civil, tenha expressado sua indignação com essa usurpação de poderes pelos burocratas de Estado, manifestando (ver https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/01/guedes-tem-pronta-mp-que-reve-regras-da-previdencia-e-economiza-r-50-bi.shtml?loggedpaywall ) que o intento do novo governo pode ser “pegar toda essa parafernália de instrução normativa, resolução, portaria ministerial e tirar tudo isso da frente. Porque o Congresso vota uma coisa e a burocracia aqui muda tudo.”

No campo do Direito Autoral, a autoritária burocracia intervencionista posta em curso pelos últimos governos só podia dar no que deu:

– a Constituição Federal e as leis do país foram rasgadas e aviltadas em seus princípios básicos, inclusive nas cláusulas pétreas que protegiam artistas e criadores;

– as entidades autorais foram tolhidas em sua liberdade constitucional de funcionamento, impedidas arbitrariamente de decidir sobre suas estruturas internas, inclusive sendo garroteadas em seus orçamentos:  centenas de funcionários foram dispensados e o sistema autoral, antes eficiente, passou a operar com déficit técnico-financeiro, com graves prejuízos para os serviços aos titulares de direitos;

– por consequência, nossa música perdeu receitas, tanto no mercado interno como no ranking arrecadatório mundial, passando a exibir resultados sofríveis, só parcialmente compensados por via das reparações judiciais obtidas junto a grandes usuários (o que não acontecerá sempre, porém);

– por fim, constatamos a lamentável proletarização da maior parte dos artistas e criadores nacionais, relegados à sub-remuneração, ao mercado informal, à exploração dos maus contratantes e ao calote dos mau pagadores, com a complacência do Estado.

Senhores governantes: quando dizemos que esperamos respeito e competência de V.Sas., é para que esse ciclo de miséria estatizante sobre nossos direitos tenha fim e o país recupere a dignidade cultural que lhe foi sonegada. Esperamos sinceramente que, em seus novos mandatos, os senhores possam revogar e tornar sem efeito todo esse emaranhado burocrático e vergonhoso de normas autoritárias e intervencionistas que, geradas no finado MinC, hoje manietam  nossas entidades privadas de classe, afetam o exercício de nossas profissões  e relegam a Cultura Brasileira talvez ao nível mais aviltado de toda sua história. Para que isso não persista, contamos com os senhores!

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