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SAMBISTA, GRAÇAS A DEUS


Por Aquiles Reis

Forjado nas noites da Lapa, rejuvenescida desde os últimos quinze anos, Alfredo Del-Penho é um de seus baluartes mais exuberantes. Compositor, cantor, instrumentista, arranjador, ator, produtor de seus projetos, ele acaba de lançar dois CDs solos: Samba Sujo, onde interpreta composições próprias e em parceria, além de músicas de outros autores, e o instrumental Pra Essa Gente Boa. Ambos independentes, bem produzidos, bem mixados.

Hoje vamos de Samba Sujo: quinze sambas para os quais Alfredo fez os arranjos de base, cantou e tocou violões de seis e sete cordas.

“Samba com Dengo” (Angela Suarez e Paulo César Pinheiro) é uma música apimentada pelo arranjo de sopros de Eduardo Neves (ele que tocou flauta e sax tenor), mais clarone (Rui Alvim), flugel e trompete (Aquiles Moraes) e trombone (Everson Moraes). Sob a responsabilidade de Paulino Dias, a percussão é eficiente. Agora, sincopar naquela levada esperta, só mesmo Alfredo Del-Penho, cantor com samba no corpo: afinação correta, divisões bem concebidas, voz privilegiada.

“Fatalidade” (Alfredo Del-Penho e Rodrigo Alzuguir) é um samba lento que começa com cuíca (André Vercelino), caixinha (Ubirany) e tamborim (Thiago da Serrinha). O canto de Alfredo vem dolente, num vocalise que dá ainda mais beleza à harmonia da música em tom menor. Um cello (Maria Clara Valle) surge e empresta dramaticidade ao arranjo. Lindo! Um dos mais belos do CD.

Alfredo tem sensibilidade para revelar novas minúcias de sambas famosos. Assim, se bobear “Além do Espelho”, obra prima de João Nogueira e Paulinho Pinheiro, faz chorar:

Se meu pai foi espelho em minha vida / Quero ser pro meu filho o espelho seu.

Deus do céu. O arranjo é simples. Flauta, violão e tamborim tocam a introdução. O violão de sete cordas de aço (Alfredo Del-Penho) extravasa emoção pelos bordões. O bandolim (Luis Barcelos) chora e aumenta o encanto do samba.

O ótimo samba de breque “Ladrão de Galinha” (Maurício Tapajós e Nei Lopes) é o momento em que Alfredo empresta à música os dotes de bom ator que é, virtude já demonstrada nos musicais que participou. Teatral, sua voz brinca de ser um personagem da letra. Enquanto o sete cordas encorpa os versos, o clarinete provê a melodia de ginga.

Alfredo Del-Penho é espelho do samba. Mas o ofício de sambista é difícil de exercer. Para ser bamba tem que dar ao samba o que ele requer. O bom sambista entende a força do ritmo em sua vida. Do samba conhece as manhas e os truques. Dele se faz intérprete, confidente, criador. O samba é o ar do sambista, sua água, sua cachaça, seu alívio. O samba é o tempo do sambista, seu presente, passado, futuro; o samba lava com seiva vital suas entranhas; sua voz é samba, por ela ele voa. Sambar é criar em sintonia com as madrugadas e seus delírios; é sorrir diante do revés, é fazer da saudade um samba no presente…

Das madrugadas do Semente na Lapa ao Bip Bip em Copacabana, assim é Alfredo Del-Penho: sambista, graças a Deus.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

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