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AULA DE MÚSICA – Aquiles Reis


“Aí vem chegando Ismael/ Vamos tirar o chapéu pro grande bacharel”. A entrada arrepiava a entrada daquele negro alto, cabelos brancos, sapato bicolor, envergando um impecável terno de linho branco. O palco do Teatro Opinião, em Copacabana, ostentava um ar quase religioso. Era o show “Samba Pede Passagem”, que, além de Ismael Silva, tinha Aracy de Almeida, Baden Powell e o estreante MPB4, dentre outros. Era o ano de 1965. Reverenciado, Ismael reinava.

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Ismael Silva

Grande compositor, fundador da primeira escola de samba do Rio, a Deixa Falar, em 1928, Ismael integrava um grupo de sambistas que deu início a uma nova forma de criar, tocar e cantar samba. Parceiro de Francisco Alves e Noel Rosa, seu nome está gravado num dos mais altos postos do altar da música popular. Entretanto, sua obra quase não tem visibilidade.

Eis que o cantor Augusto Martins e o compositor, arranjador e violonista Cláudio Jorge lançam Ismael Silva: uma escola de samba (Mills Records), CD/“aula” em que os dois dividem o canto em catorze sambas – alguns só do “professor/bacharel” do Estácio, outros, com parceiros. Ouve-se, por exemplo, os clássicos “Antonico” e “Se Você Jurar” (ambos de Ismael), o lindo “Dona do Lugar” (Noel Rosa, Ismael e Francisco Alves) e o impagável “Peçam Bis” (Ismael): “(…) Não vão fazer o que aconteceu certo/ Foi tanto bis/ Que eu já não podia atender/ No entretanto/ O que a plateia queria/ É que eu cantasse/ Cantasse até aprender”.

Augusto Martins, com bonito timbre de voz, exala doçura nos sambas mais líricos e picardia nos que têm humor (uma das tantas qualidades de Ismael). Suas interpretações e sua sobriedade, que privilegiam a dicção e a afinação, dispensam afetações – e é tudo o que a música de Ismael precisa.

Os arranjos, todos de Cláudio Jorge, são decisivos para revelar a alma da música do mestre. Neles, há uma grande precisão rítmica, cuja levada é a fonte em que beberam Ismael e Noel. E a evolução da batida desembocou naquilo que hoje é a forma tradicional de tocar samba.

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Ismael Silva

Rigor, aliás, que caracteriza o toque de alguns mestres batuqueiros de samba: Belôba (tantan), Flavinho Miúdo (surdo e pandeiro), Thiago da Serrinha (cuíca) e Marcelinho Moreira (pandeiro, repique de mão e tamborim). Só quatro? E pra que mais, se eles nos fazem crer que ouvimos toda uma bateria de escola de samba?

Cláudio Jorge toca violão de seis cordas, Carlinhos Sete Cordas e Zeca do Trombone honram o sobrenome, Marcio Wanderley toca cavaquinho e Dirceu Leite se reveza entre a flauta e o clarinete. Juntos, ritmo e harmonia se mostram integrados ao espírito da criação de Ismael Silva.

Pelas mãos de Cláudio Jorge, a coerência da obra de Ismael ganhou respeito ímpar. Seus arranjos deixam as melodias falarem e fluírem por si. Neles não há instrumento protagonista, estão todos juntos para tocar em homenagem a Ismael Silva. Tudo para que, ao ouvi-lo, caiamos na tentação de reverenciá-lo como um santo pagão da música popular brasileira.


Aquiles Rique Reis é músico e vocalista do MPB4; e um associado que honra os quadros da AMAR/SOMBRÁS.

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