Todas as questões que hoje envolvem a música brasileira têm explicação na ordem social e econômica em que vive o País, desde, pelo menos a década de 1960. Explica-se pelo o ingresso do Brasil na sociedade de consumo, estágio das relações sociais em que a oferta de produtos, massificada e padronizada, excede a procura. Esses produtos, inclusive os da indústria da música, são mais facilmente criados e fabricados do que vendidos. Então, o excesso de oferta, potencializado pela profusão de bens colocados à disposição, gera estratégias de marketing cada vez mais agressivas e absurdamente sedutoras do ponto de vista das facilidades de aquisição e absorção criadas pela indústria, e pelos meios de divulgação e distribuição.
Absolutamente cativa dos ditames mais radicais da sociedade de consumo, a indústria fonográfica atuante em escala planetária prefere os “blockbusters”, sucessos imediatos de execuções e vendas, no que quase sempre rejeita as tradições de canção popular, que se nutrem da multiculturalidade e da diversidade, menos assimiláveis pelo gosto padronizado da internacionalização. E essa história já vem de algumas décadas.
No segundo governo da ditadura militar (1969-74), as medidas visando principalmente a atrair o capital estrangeiro, que viria supostamente restabelecer a economia nacional, foram apregoadas como vetores do propalado “milagre econômico”. Seus instituidores explicavam as regras do jogo dentro da ideia de desenvolver o país utilizando as forças do mercado, “respeitando a participação” do capital estrangeiro. Dentro desse quadro, em que se extinguiam ou minguavam as gravadoras nacionais, como Continental e Todamérica, brilhou a estrela da gravadora multinacional Philips.
No final nos anos 70, essa gravadora abrigava em seu elenco todos os “grandes nomes” da música brasileira, à exceção do ídolo Roberto Carlos; e seu sucesso motivava a modernização e a ampliação de estruturas de antigas concorrentes, igualmente multinacionais, estabelecidas no País. Um dos impulsionadores dessa expansão foi o programa de isenção fiscal “Disco é Cultura”, que concedia às gravadoras, isenção de impostos pelos produtos estrangeiros aqui lançados desde que fizessem investimentos de igual valor na produção de discos de artistas nacionais. Com o terceiro governo militar, a dívida externa, a alta do preço do petróleo e a inflação decretaram o fim do “milagre”. Entretanto, os ganhos da indústria fonográfica continuavam expressivos.
Para o bem e para o mal, os anos de 1970 acabariam por marcar o efetivo ingresso do Brasil no universo da indústria cultural globalizada. Vivia-se o ufanismo imposto pela ditadura militar; consolidava-se o poder da televisão; e afirmava-se a chamada “música universitária”, que acabaria por gerar a sigla MPB; e se produzia o alinhamento da música brasileira com a música pop internacional, ensaiado na década anterior.
Na contracorrente, surgiam iniciativas como, principalmente a da Discos Marcus Pereira, gravadora criada para a produção e a difusão de toda a música brasileira excluída do mainstream da época, da regional ao samba “de morro”; e inclusive a música erudita brasileira, como o experimentalismo de Walter Smetak. Acontecia aí, como fato mais notório, a redescoberta, inclusive como cantor, do magistral compositor Cartola.
Este sol de liberdade brilhou apenas por oito anos, pois em 1981 – tendo como seu último diretor artístico o atual presidente da AMAR, maestro Marcus Vinicius – a Discos Marcus Pereira perdia seu comandante. Publicitário e bacharel em Direito, além de produtor fonográfico, o guerreiro, sucumbindo a grandes pressões, pôs fim à própria vida. Mas deixou na Música Brasileira raios fulgurantes, como os muitos selos – Acari, Kuarup, Biscoito Fino, CPC-UMES, Fina Flor, etc. – que seguiram sua trajetória de luz e independência.
Nº 133 | 10/01/17 | Pág. 3