No ano em que se iniciaram as celebrações do Centenário do Samba, a importância da efeméride não se traduziu na lista das músicas mais executadas nas rádios brasileiras. Segundo a empresa de monitoramento Crowley, recém divulgada, a predominância coube ao segmento “sertanejo”, com destaque para letras no estilo cognominado “sofrência” (na proporção de 8 em cada 10), com abordagens recorrentes sobre amores contrariados, relacionamentos desfeitos, desenganos, sofrimentos, desgostos.
A análise do repertório campeão de execuções destaca também a emergência de vozes femininas dentro do segmento, antes notabilizado pelas duplas masculinas, que em 2015 tinham preferido como temas as “baladas”, noitadas de farra, e a ostentação de riqueza.
O resultado da pesquisa nos faz evocar a diversidade temática que sempre caracterizou a música popular brasileira, independente de gêneros ou estilos. Ela já foi do “Barracão” (1953) à “Casa no campo” (1971); do “Vatapá” (1942) à “Feijoada completa” (de Chiquinha Gonzaga a Chico Buarque); da “Alegria, Alegria” (1967) a “Tristeza” (diversas); do “Pistom de Gafieira” (1959) à “Viola Enluarada” (1967) do “Trem das Onze” do Adoniran ao “Calhambeque” do Roberto Carlos; do “Rato, rato” (1904) a “O Pato” (1960) e a “A rã” (1968), do “Urubu malandro” (1914) ao “Tico-tico no fubá” (1931); da “Cachaça” (1953) ao “Chiclete com banana” (1959); do “Bonde São Januário” (1941) ao “Carango” de Simonal; da malandragem do Estácio ao vestibular de Martinho da Vila; do futebol ao jogo do bicho; dos santos católicos aos orixás… Etc., etc., etc.
Pois é isto: a canção popular brasileira pode ser acusada de tudo, menos de repetitiva, cansativa, monotemática. Desde o “Pelo Telefone” ela demonstra sua vitalidade, sua perenidade, sua “resiliência” – para usar um termo antigo que voltou à moda para designar a capacidade que tem certos corpos de retornarem à forma original depois de terem sido submetidos a uma deformação.
Nº 133 | 10/01/17 | Pág. 2