Este texto é aqui publicado no momento em que se avizinha uma decisão crucial para o universo Autoral Musical, ou seja, a aceitação liminar, pelo STF, da ação que visa à caracterização da inconstitucionalidade Lei 12.853/13, a ser julgada no próximo dia 28 de abril. E o momento é mais importante ainda porque, nele, a sociedade brasileira, por seus setores produtivos, indispensáveis à impulsão dos vetores econômicos, espera a decisão maior, que é a dos caminhos institucionais a seguir daqui em diante, com o impedimento ou não da titular da Presidência da República.
Quaisquer que sejam os caminhos, a direção da AMAR, como toda a sociedade brasileira, espera. Mas o faz expressando sua opinião e projetando no futuro os anseios que vêm norteando nossa atuação há 35 anos.
CONCESSÕES DE CANAIS DE RADIODIFUSÃO
Em qualquer direção que caminhem as discussões ora travadas, seria bom, a partir de agora que os membros do Poder Legislativo se dispusessem a não se beneficiar tanto de concessões de emissoras e canais de radiodifusão. Porque é esse tipo de poder, estranho às prerrogativas da atividade legislativa, que vem produzindo uma casta de parlamentares que, desde a década de 1990, vem se propondo a “investigar” o Ecad, sem nenhuma consequência. O que acabou chegando com a Lei 12.853, mas pelo caminho da inconstitucionalidade, da truculência e dos subterfúgios.
A aprovação da Lei no Congresso deu-se em obediência a uma cadeia de interesses, nem um pouco públicos, que começava nas grandes redes de televisão (então, devedoras de altíssimas somas ao Ecad), passava por empresas produtoras e distribuidoras de cinema detentoras das maiores fatias do mercado nacional e também por empresários de artistas vinculados ao grande monopólio das produções do mercado artístico e cultural em nosso país.
Outro vicio na aprovação da Lei 12.853 pelo Congresso foi o respaldo que teve de organizações transnacionais voltadas para a exploração (manipulada) do conceito de “conteúdo livre”, propagado para o mundo virtual, o qual se opõe visceralmente aos princípios que regem a legislação autoral brasileira, baseada, sobretudo no exercício dos direitos pelo próprio autor da obra intelectual e não no simples direito de reprodução ou copyright, sob a égide empresarial.
Lamentavelmente, para muitos parlamentares brasileiros que insistem em ir à contramão da História, o direito de autor e uma questão menor, tal como a cultura, a ética, essas coisas… A maioria dos países do mundo, entretanto, vêm aprimorando seus dispositivos de proteção a criação intelectual e também o Brasil, em 1998, promulgou uma inovadora lei de direito autoral, que levou quase uma década em tramitação. Passados os anos, alguns “deportados” de nosso país resolveram investir contra os avanços daquela lei. Daí terem tramitado, como ainda tramitam, no Legislativo nacional projetos visando à isenção do pagamento de direitos autorais dentro dos redutos eleitorais de seus proponentes. E não raras vezes, os maiores beneficiários de tais projetos são os próprios congressistas, grande parte deles donos de rádios, bares, casas noturnas, etc.
Vale lembrar também, como acentuou recente Relatório divulgado pela ONG Transparência Brasil, que “49% dos deputados federais eleitos para o período 2015-2018 são filhos, netos, cônjuges, irmãos ou sobrinhos de velhos políticos”; e que essa “proporção cresceu cinco pontos percentuais em relação a levantamento semelhante feito para a legislatura anterior” (Cf. Flávia Oliveira, O Globo, Segundo Caderno, 21/04/2016, p.2).
Então, qualquer que seja o caminho, será bom que povo e Congresso estejam atentos à concentração de poder representada pela concessão de canais de radiodifusão a membros de nossas casas legislativas.
DEMONIZAÇÃO DA GESTÃO AUTORAL
O governo, desde o inicio deste século, vem sendo levado pela estratégia das corporações no sentido de demonizar as associações de autores como as vilãs da internet, por quererem cobrar pelos direitos dos seus representados. Isso levou à guerra contra a gestão autoral coletiva e unificada, numa operação em que expressiva parcela do Congresso Nacional – parlamentares donos de rádios e tevês associados a empresários dos ramos de entretenimento e turismo, em atividades nas quais o uso de obras musicais é essencial – teve atuação determinante.
A reboque dessa ofensiva – lembramos – em 2012, a cantora, compositora e administradora Ana de Hollanda, alinhada com os anseios de sua classe, começou a trabalhar no sentido de corrigir os erros do ECAD sem implodi-lo. Então, desencadeou-se sobre ela uma sórdida campanha, “desleal, maligna, perniciosa, nociva”, como escreveu, na oportunidade, o saudoso jornalista Mauro Dias. “Ter no Ministério da Cultura um artista independente – sublinhou Mauro, então – que não orienta a obra pela grande indústria do entretenimento, não se deixa dobrar por injunções de caráter comercial, é coisa ótima para a cultura”.
Qualquer que seja o caminho, o Governo e a sociedade precisam se conscientizar de que Direito Autoral é direito humano e não empresarial. Que – como escreveu tempos atrás o jornalista e amigo José Nêumane Pinto – “em nome do direito do consumidor ao livre acesso à cultura produzida em seu mercado, alguns artistas e burocratas fazem o papel sujo de tentar baratear o custo do produto cultural nos meios em que ele circula para engordar o lucro das empresas que os veiculam furtando a parcela que por lei cabe ao autor”. Mas que desde a Revolução Francesa – ainda segundo nosso amigo Nêumane – desde a Revolução Francesa, “escritores, dramaturgos, compositores e outros tipos de criadores de arte e cultura conquistaram o direito de tirar seu sustento dos ofícios de escrever, encenar e compor, entre outros, na justa proporção do consumo de suas obras pelo público”.
Finalmente, seria bom que todo o corpo Judiciário, seguindo os honrosos exemplos que felizmente ainda prosperam, baseasse sempre suas ações no axioma segundo o qual ninguém está acima da Lei (por omissão ou qualquer tipo de interesse), nem mesmo as mais altas magistraturas de todas as democracias do mundo.
Interessante.