Entrevista realizada pela equipe do Jornal da AMAR, com Paulo César Pinheiro
PAULO CÉSAR PINHEIRO “SE TODOS OS AUTORES SE UNISSEM, MUDÁVAMOS O SISTEMA EM UM ANO”
Jornal da AMAR – Paulinho, você que já tem no currículo um Grammy Latino, conte pra gente a história desse e de outros prêmios. E fale de como recebeu a notícia do Prêmio Shell.
– Já recebi diversos prêmios ao longo de minha vida profissional. Principalmente na época dos festivais. Ganhei vários (pelo menos cinco) e fui muito bem colocado em outros tantos. Aliás comecei ganhando um festival em 1968 (a 1ª BIENAL DO SAMBA) da TV Record com a música Lapinha, em parceria com Baden Powell, interpretada pela minha querida amiga (irmã mesmo) Ellis Regina. Ganhei do ano passado pra cá os dois mais importantes prêmios que a Música Popular pode oferecer a um compositor: o Grammy em 2002, pela canção “Saudade de Amar” de parceria com Dori Caymmi, fora do Brasil e o Prêmio Shell este ano, aqui dentro, pelo conjunto da obra. Antes, nenhum letrista havia sido escolhido. Abri caminho para os outros. Recebi a notícia com satisfação porque é um reconhecimento a um criador, ainda em vida, num pais que costuma esquecer rapidamente dos artistas que não aparecem muita na mídia, quanto mais dos que morrem. Fui condecorado também, com muito orgulho, com a medalha Pedro Ernesto pela Câmara dos Vereadores, pelos serviços prestados, através da minha música à Cidade do Rio de Janeiro, onde nasci, me criei e vivo. E tenho recebido comendas por onde passo. Nesse ponto não tenho do que me queixar.
JA – Quando, como, por quê e egresso de que sociedade você veio pra AMAR?
– Eu era até 1979, membro da SBACEM. Quando a AMAR foi fundada por iniciativa do meu parceiro Maurício Tapajós, em 1980, eu já me transferi pra cá de armas e bagagens. A AMAR nasceu da velha SOMBRÁS, da qual eu fazia parte. A nossa intenção, desde essa época, era mudar o sistema viciado que sempre imperou no Direito Autoral. Ainda não conseguimos, mas já avançamos bastante. O que me angustia é a lentidão do processo pela falta de consciência política e o desconhecimento da matéria por parte da grande maioria da nossa classe.
JA – Há quanto tempo você integra a diretoria e quais os cargos que já exerceu?
– Nesses 23 anos de AMAR eu poucas vezes não estive no quadro diretor. Já fui secretário-tesoureiro, diretor vogal e vice diversas vezes. Atualmente sou mais uma vez Vice-Presidente.
JA – A que você atribui a falta de renovação nos quadros dirigentes da AMAR?
– É exatamente pela falta de Renovação que estamos todo esse tempo no comando da Sociedade. É um saco? É. É cansativo? É. É desgastante? É. Mas se a gente não levar a bandeira, como é que fica? Tudo degringola. Muitas vezes, é claro, dá vontade de parar. Mas a gente pensa no Maurício, que morreu por isso, e segue em frente.
JA – Como você analisaria o crescimento, principalmente patrimonial, da AMAR em seus 20 e poucos anos de existência?
– A AMAR já passou por situações financeiras péssimas, quase a ponto de fechar já esteve. Isso em gestões que não foram as nossas. Por isso que a gente tá aí com todo o desgaste. O crescimento se deve à seriedade com que a gente encara essa luta, e à gerência pé-no-chão do nosso presidente Marcus Vinícius e do nosso amigo tesoureiro José Alves. E não foi somente um crescimento patrimonial. A AMAR é hoje para as sociedades estrangeiras, a mais respeitada entidade autoral brasileira, graças ao trabalho árduo, feito lá fora durante alguns anos, dos nossos Tapajós e Marcus Vinícius.
JA – E a transferência de autores altamente representativos para outras sociedades, ao longo desses anos, a que você atribui?
– A transferência desses autores para outras associações é geralmente por ignorância em uns, por falta de informação em outros, e a ilusão, por ambição, de alguns que acham que vão ganhar muita grana nessa troca. Como se Direito Autoral fosse salário. É o chamado “Canto dos Cisnes” enganatório. Pra esses, que tratam mesmo de si próprios, já fiz um poema, há mais de 10 anos publicado no jornal da AMAR, que merecia um repeteco.
JA – Na nossa ótica, autores e intérpretes representam o trabalho enquanto que gravadoras e editoras multinacionais representam o capital. Você concorda com essa visão? Acha que as sociedades que abrigam editoras e gravadoras estrangeiras têm legitimidade autoral? Como são suas relações com essas gravadoras e editoras?
– Olha, o meu principal ponto de discussão a vida inteira, e vai continuar sendo, é a posição que o Sistema criou, distorcidamente, das gravadoras e editoras em relação ao Direito Autoral. A Lei diz que eles são titulares de Direito Autoral. E isso, ao meu ver, está errado. E esse é o grande nó da questão. Gravadoras e editoras não criam, portanto não são autores. Pessoa física é que cria, não pessoa jurídica; portanto não são detentores de Direito Autoral. Podem até ter outros direitos, comerciais, industriais, o nome que quiserem, mas não autorais. É aí que a coisa pega. Enquanto a Lei não mudar, o sistema está engessado. As gravadoras (que são poucas) e seus diversos grupos editoriais levam mais de dois terços do bolo recolhido enquanto que mais de 40 mil autores, e os intérpretes e os músicos ficam com a merreca para dividir. Isso é legal? Do ponto de vista jurídico é. A Lei é que é mal feita. É legal, mas é imoral. Se a Lei não mudar, ficaremos reclamando no botequim sempre.
JA – Para nós, boa parte dos autores e intérpretes brasileiros se engajam em causas grandiosas, como pacifismo, ambientalismo, etc., e negligencia assuntos que afetam gravemente seu segmento profissional. Esses “artistas” (entre aspas) só se engajam, como é o caso da campanha contra a pirataria, quando convocados pelas gravadoras. Você concorda ou não com essa nossa opinião, inclusive com as aspas que colocamos na palavra “artistas”? Por quê?
– Vou responder, continuando o raciocínio da resposta anterior. A Lei não muda por que? Por que a classe é no mínimo, dispersa. Não há força porque está dividida. As associações são seus órgãos representantes. Se se juntassem todos, já me disse o deputado Genoíno, mudavam o sistema em menos de um ano. Porém há sociedades dirigidas por editoras, outras por advogados que, tanto podem estar do nosso lado quanto do lado contrário, dependendo de quem paga mais. A AMAR, quando nasceu foi pra tentar, sendo dirigida só por autores, músicos e intérpretes, juntar todas numa só. Esse era o grande sonho. Que as gravadoras criassem sua própria associação. Teriam força de cobrança? Que as editoras fizessem sua sociedade. Teriam argumento pra cobrar? Claro que não. Os usuários de nossa obra pagam porque é para o autor. Assim eles acham… De outra forma não pagariam se os artistas cuidassem dos assuntos de seu segmento profissional da mesma maneira como se engajam nas outras causas, tudo seria , na minha opinião, mais fácil. Mas essa nossa causa não dá a mesma visibilidade nos meios de comunicação, até porque esses mesmos meios são os que remuneram. E quanto mais confuso o sistema, menos remuneração teremos. Interessa pra eles o caos. Se for pra esculhambar o ECAD eles abrem muitas páginas e dão manchetes. Se for pra explicar de verdade o que acontece vão ser jogados, talvez pra “Cartas do Leitor”. É esse o quadro