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BEETHOVEN, CIDADÃO – Pedro Augusto Pinho

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“Amar acima de tudo a liberdade” (Beethoven, 1793, no álbum de um amigo)

BeethovenA cidade de Bonn, em 1770, quando nasceu Ludwig van Beethoven, era a capital dos Príncipes-Bispos Eleitores de Colônia. Seus primeiros 11 anos foram dedicados ao aprendizado de piano e violino, por um pai músico e autoritário. A educação mais ampla, de literatura e vida social, se dará com a família Breuning, constituída da viúva de um conselheiro do Eleitor e três filhos, com idades próximas a Ludwig. Esta será uma amizade por toda a vida e a quem Beethoven dedicará importantes obras.

Para muitos historiadores, o mundo contemporâneo começa no último terço do século XVIII, ou seja, por coincidência, com o nascimento do genial compositor. É neste período que ocorrem a Revolução Industrial na Inglaterra, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Foi, portanto, num mundo em grande transformação que o jovem compositor passou sua infância, adolescência, juventude e chegou à maturidade.

A revolução liberal-burguesa teria encerrado a sociedade da realeza-aristocracia-clero e povo e ensejado os primeiros passos para a autonomia cidadã, ainda hoje buscada no Brasil. Beethoven foi um exemplo, consciente e disciplinado nesta transformação, não sendo um revolucionário, mas um enérgico defensor da autonomia do ser humano e de cidadão exigente de seus direitos.

A vida musical naquela sociedade fechada era mantida por mecenas. Wofgang Amadeus Mozart, um dos maiores gênios da humanidade, tentou, mas nunca conseguiu libertar-se inteiramente do mecenato. Joseph Haydn, outro grande compositor, professor de Beethoven, não pode viver fora do domínio dos Príncipes de Eszterházy. Mas Beethoven nunca aceitou esta submissão. Viveu de suas obras e de seus concertos e suas aulas.

Sua vastíssima obra ainda está, neste século XXI, sendo descoberta e mereceu quatro catálogos, nenhum com a relação integral. O mais conhecido e primeiro é do Opus, organizado quase totalmente durante a vida do compositor. Outros catálogos são dos músicos Georg Kinsky e Hans Halm, também conhecido como WoO (do alemão Werke ohne Opuszahl – obras sem número de Opus), do suíço Willy Hess, do italiano Giovanni Biamonti, relacionadas em ordem cronológicas, e neste século de um grupo de estudiosos, do Beethoven Center, na Califórnia, que já revelou mais 28 obras de Beethoven, embora algumas duvidosas.

Em sua vida, o mais importante centro musical era Viena, para onde se dirigiu em rápida visita aos 17 anos e se fixou após 1792. Mas Beethoven viajou bastante, inclusive atravessando o Canal da Mancha. Pode então conhecer as distintas realidades das aristocracias, dos ambientes musicais e dos diversos povos.

O estudioso Nicholas Marston assinala que, no século XVIII, os artistas “não passavam de criados… usavam uniforme, recebiam salário… e viviam… sob ameaça de demissão imediata e sumária”. O contrato assinado por Beethoven, em 1809, com o Arquiduque Rodolfo e os Príncipes Lobkowitz e Kinsky, para que “os requisitos essenciais da vida não lhe causem embaraço nem atrapalhem seu poderoso gênio” já é uma prova de sua consciência cidadã. Esta anuidade vitalícia não acarretava qualquer obrigação nem em tempo, nem em lugar, nem no que comporia. Quantos músicos de hoje invejariam tal contrato?

Beethoven enfrentou uma época política e financeira conturbada, como uma pessoa da classe média, tal qual ocorre-nos hoje, mas com guerras. Napoleão passeava pela Europa destituindo e substituindo monarquias e aristocracias, a situação econômica era classificada de desnorteadora, com inflação elevada, multiplicidade de moedas e precariedade nos fornecimentos de bens e serviços.

Mas Beethoven, ainda que rabugento, não manifestava ódios raciais nem de classes, dedicava-se a estudar – o que fez ao longo de toda vida – e a buscar sempre melhores soluções musicais em seu trabalho. Não sou músico, nem mesmo primário conhecedor, mas tanto ouço este gênio que me aventuro a propor dois pensamentos para suas composições.

Ora parecia seguir um caminho, numa sonata, num trio, numa outra peça. Subitamente o abandona e inicia um novo. As vezes parece voltar ao inicial, mas com outra intenção, outra circunstância. Seria uma árvore onde alguns ramos dão novos ramos e outros logo se esgotam. E ressurge um ramo lá em baixo, como se o tronco estivesse recomeçando a expandir.

Outra ideia diz respeito ao lutador pelo direito, pelo avanço social e musical, mas nunca um demolidor, um destruidor de cânones. É o Beethoven ético na vida e na música. Ouvindo peças de seus últimos anos, como a Sonata Opus 111, a Grande Fuga (Opus 133) e os Quartetos de Corda Opus 132, com seu modo lídio, e Opus 135, você poderá se perguntar: por que Beethoven não deu o passo, como faria Richard Wagner, para desconstrução do tonalismo? Minha modesta resposta é que Beethoven lutava pela cidadania, não pela reversão da sociedade. Chegando à fronteira da música tonal, à qual dedicou toda vida, decididamente não quis transpô-la.

Beethoven morreu em março de 1827, três meses antes de seu amigo de infância, Stephan von Breuning, e a seis meses da Primeira Lei Geral do Ensino Elementar no Brasil, firmada por Pedro II, tão tardiamente regulamentada e tão indispensável para nossa cidadania.


N.E. Pedro Augusto Pinho, bacharel em Direito pela Universidade do Brasil (atual UFRJ) é administrador e professor, além de amigo da AMAR/SOMBRÁS.

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