Ninguém pode ser obrigado a dar de graça aquilo que sua mente criou. Se você criou, é propriedade sua e ninguém pode obrigar você a dar de graça. Pode não ser físico, material, mas é propriedade sua, do seu intelecto. Por isso tem o nome de Propriedade Intelectual. E vale dinheiro.
O Direito Autoral é, em essência, um conjunto de normas jurídicas criadas para proteger o autor de obras intelectuais, técnicas ou artísticas; as quais constituem propriedade de quem as criou.
Simples, não? Entretanto, a todo o momento, a legitimidade desses direitos e da própria condição de autor é questionada. Trata-se de um caldo de cultura venenoso, que se espalha por vários setores da vida nacional, inclusive do poder público, e vai pondo por terra conquistas alcançadas com muito trabalho, mobilização e luta.
Na atualidade, um dos mais graves problemas é o fato de os meios de comunicação, como rádios, tevês e plataformas da internet executarem música e publicarem letras de canções sem mencionar os nomes dos autores. Hoje, a maioria desses veículos só menciona os intérpretes dos números musicais, omitindo os nomes de quem os criou.
Esse hábito nocivo configura uma ofensa ao direito moral do autor, garantido pelo artigo 24 da Lei 9.610/98, que ainda é a lei consolidadora de Direito Autoral no Brasil – de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra (art. 24).
A propósito deste assunto, achamos por bem transcrever, com a indispensável autorização, artigo de autoria de Rodrigo Moraes, professor de Direito Civil e de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e velho amigo da AMAR.
Vejamos:
INVISIBILIDADE DOS COMPOSITORES
Rodrigo Moraes
Sou da geração analógica. Comprava muitos LPs e CDs. Gostava de ir às lojas, perguntar sobre os lançamentos, ouvir dicas, conversar com o vendedor. Desde adolescente, tinha a curiosidade de saber quem eram os autores das músicas, quem tocava cada instrumento. O encarte do disco era (e é), para mim, algo importante. Mas não tenho, aqui, o intuito de ser saudosista.
A geração digital, da qual meus dois filhos (nativos digitais) fazem parte, quase não compra mais CDs. Tudo bem. Esta geração ouve muita música. Ama música. Somos ouvintes assíduos de música no ambiente digital, através das novas plataformas de streaming. Hoje, esse é o modelo de negócios mais promissor. Paga-se não mais pela compra de arquivos digitais (download), mas pelo direito de acesso ilimitado.
Spotify, Deezer e Apple Music são exemplos de plataformas digitais. Cada uma delas oferece mais de 30 milhões de músicas. No início, me encantei ao reencontrar diversos e marcantes discos que havia perdido. Mas me decepciono, diariamente, ao constatar que, no aparelho celular, não consigo visualizar os nomes dos compositores. Essas empresas, infelizmente, violam a Lei de Direitos Autorais (arts. 24, II e 108 da Lei 9.610/98), pois omitem os nomes dos autores, que são a célula embrionária de toda a indústria cultural. Violam, portanto, o sagrado direito moral à designação de autoria, direito este irrenunciável e inalienável.
Além da violação à Lei Autoral, penso que, como consumidor de tais serviços digitais, sou lesado, pois há uma ofensa ao direito à informação, previsto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor. Acredito que tenho o direito de saber quem são os criadores intelectuais das canções que ouço. Esse direito à informação é ou não é essencial para quem consome música de maneira legal? A quem interessa a invisibilidade dos autores? As associações autorais e os compositores não podem se omitir nessa luta.
N.R. Este artigo foi inicialmente publicado na edição de 31 de julho de 2017, do Jornal da Tarde, em Salvador, BA.
Nº 144 | 20/12/17 | Pág. 3