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DESSA MISTURA DE VOZES NASCEU NOSSO CANTO


“As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbaros/ Os negros trouxeram de longe reservas de pranto/ Os brancos falaram de amor nas suas canções/ E dessa mistura de vozes nasceu o teu canto”

(Alcir Pires Vermelho e David Nasser, 1941)

Pixinguinha (1897 - 1973)
Pixinguinha (1897 – 1973)

A AMAR é uma sociedade de direitos. Assim, uma de nossas principais características é enxergarmos o Direito de Autor sempre como parte da ampla gama de dos Direitos e Garantias Fundamentais consagrados pela Constituição Brasileira, como o direito à Igualdade sem distinção de qualquer natureza; à liberdade de consciência e de crença; à livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; etc. Da mesma forma, a AMAR defende o pleno exercício, por todos os brasileiros, de todos os direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e valorizando, na medida de sua capacidade, a valorização e a difusão de todas as manifestações culturais, características de todos os grupos participantes do processo de civilização nacional. Fieis a esses princípios, abrimos um espaço nesta edição de nossa Newsletter para homenagear o “Mês da Consciência Negra”.

“Flor amorosa de três raças tristes”. Produto sentimental da miscigenação do povo brasileiro, como definiu o poeta Olavo Bilac, não obstante, a nossa grande música deve muito de sua riqueza à parcela afrodescendente da população nacional. E isto, desde o Barroco Mineiro, passando pelos lundus de Caldas Barbosa, pela música das “bandas de barbeiros” nas ruas do Rio colonial, até chegar ao samba, em suas múltiplas formas.

Segundo boas fontes históricas, o Ciclo do Ouro e a criação da capitania das Minas Gerais moti­varam os filhos da mestiçagem local a buscar posições independentes na nova sociedade, pro­vocando sua ascensão por meio da prática de várias atividades e, notadamente, pela música. Vários desses afrodescendentes, sobretudo entre os anos de 1787 e 1790, conduziram a música mineira a um destaque sem precedentes. Chegavam, segundo alguns autores, a mais de mil, e só em Vila Rica atuavam 250 músicos profissionais, entre compositores e executantes. Graças ao ouro e aos diamantes, músicos mulatos, como Lobo de Mesquita, Marcos Coelho Neto e Francisco Gomes da Rocha, levavam vida digna, que lhes proporcionava a oportunidade e o conforto necessários para aperfeiçoar suas técnicas e elaborar um conjunto de obra musical de altíssimo nível, apreciada principalmente nas cerimônias das igrejas. E nas ruas, pela mesma época, era comum, no Brasil, por ocasião das procissões e festas católicas, os negros saírem às ruas com seus urucungos, quiçanjes e marimbas, trazidos da África ou aqui fabricados, ao mesmo tempo em que, nas fazendas, se organizavam os primeiros grupos orquestrais.

Anacleto de Medeiros (1866 - 1907)
Anacleto de Medeiros (1866 – 1907)

Segundo o historiador José Ramos Tinhorão, em 1610 um viajante francês surpreendia-se, no Recôncavo Baiano, com a audição de uma banda de música composta por trinta negros escravos, regidos por um maestro francês. Algum tempo depois, no Rio de Janeiro, padres jesuítas criavam, na Fazenda de Santa Cruz, uma escola de música onde trabalhadores escravizados aprendiam noções elementares de teoria musical e execução de instrumentos. Essa escola de música de Santa Cruz foi o celeiro de onde saíram os músicos da banda que o Imperador Dom Pedro I manteve na Quinta da Boa Vista, conhecida como “a orquestra dos pretos de São Cristóvão”. Na história musical do Rio de Janeiro imperial, essa orquestra tem papel essencial. Parece ter sido ela a fecunda semente de onde se originaram as bandas militares, de tão grata tradição na música brasileira, entre as quais a mais célebre e mais duradoura é a Banda do Corpo de Bombeiros, em plena atividade desde 1896.

Henrique Alves de Mesquita (1830 - 1906)
Henrique Alves de Mesquita (1830 – 1906)

Por outro lado, alguns dos maiores instrumentistas negros do país, embora pobres, desenvolve­ram seu talento no ambiente familiar ou como autodidatas. Assim foram, por exemplo, os saxofonistas Paulo Moura e Moacir Silva, ambos filhos de mestres de banda; os virtuoses do trombone “Norato” (Antônio José da Silva) e Raul de Barros; o guitarrista Bola Sete, falecido nos Estados Unidos; o saxofonista Cipó, considerado um dos maiores improvisadores do jazz no Brasil; o baterista e compositor Wilson das Neves, etc. Esses instrumentistas, arranjadores, re­gentes e chefes de orquestra afrodescendentes foram os responsáveis pela linguagem que do­minou a vida musical brasileira da década de 1930 à de 1960, no disco, no rádio, no cinema, nos bailes, nos shows e na nascente televisão.

Através desta singela reverência à memória de todos esses músicos inesquecíveis, a AMAR rende homenagem ao talento musical afrodescendente, nesta Semana da Consciência Negra.


Nº 142 | 20/11/17 | Pág. 3

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